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Cachorros chatos para comer

“Agora entendo porque, quando eu era criança, um dia minha mãe virou o prato de macarrão na minha cabeça e saiu gritando!”. Essa foi a mensagem que recebi um dia pela manhã, do meu amigo Márcio.

Liguei para ele, claro, já imaginando do que se tratava … “Oi, o que houve? Bali ainda de greve?”.

Dito e feito, Bali, um rottweiler de quase 50kg, passava por mais um de seus períodos de “jejum intermitente”, numa época em que ninguém sabia o que seria isso … e seu dono estava desesperado, fazendo “qualquer negócio” para mudar a situação. Misturou carninha, trocou cardápio, deu na boca, rezou, e nada … o bezerro, ooops, cachorro, comia duas ou três bocadas e ia embora com a cara mais lavada do mundo, indiferente ao desespero dele. O Bali era magro, um pouco mais do que a média da raça, mas saudável. Vivia solto em casa, num quintal lindo, porém pequeno e sem exercício obrigatório, numa vida de paz e tranquilidade. Ele era um desses indivíduos que “come para viver”, e não dos que “vivem para comer”. Então para ele, estava tudo bem comer 1/3 da quantidade esperada para seu peso. Só para seus humanos é que isso era um problema.

Já eu, tenho o problema contrário … a Ópera, minha filha peluda, é capaz de comer indefinidamente se puder. Uma vez demos mole e ela comeu o jantar dos 4 cães da casa e um bolo de laranja inteiro como se fosse a coisa mais natural do mundo. E nem dor de barriga ela teve!

Então vou aproveitar a deixa para falar sobre esse assunto.

Recebemos muitas ligações e mensagens de pessoas preocupadas com a falta de apetite dos seus peludos. São muitos os nomes usados: “ruim de boca”, “seletivo”, “chato pra comer”, “caprichoso”, “cheio de manias” e por aí vai. Seus humanos vivem preocupados, e querem saber se isso “vai passar” com a nossa comida, ou se com o tempo ele vai “enjoar” dela também. Em outros casos a queixa é que o peludo já é cliente, começou comendo bem, mas com o tempo passou a escolher receitas e só comer as que prefere, e agora já não quer mais nenhuma.

Em qualquer dos casos, a primeira coisa que temos que fazer quando um cachorro para de comer é checar com nosso veterinário de confiança se está tudo bem com ele. Um exame clínico acompanhado de hemograma, ultrasom ou outro exame complementar pode descartar causas físicas, como doenças de carrapato, gastrites, doenças renais, tumores ou outras que afetem o apetite.

Constatado que não há problema físico, nos vemos diante de uma questão comportamental. É o quadro mais comum.

 

Impulso Alimentar

Em todas as espécies, existem os indivíduos que comem para viver e os que vivem para comer. Se seu peludo nasceu para comer, você nunca terá problemas (desde que guarde bem os bolos de laranja…). Pode dar comida boa, comida ruim, ração e até “pedra moída” que o carinha cai de boca sem pensar duas vezes. Se esse aí parar de comer um dia, corra para o vet que a coisa é séria!

A maioria dos cães é assim, afinal, comer é um instinto básico de sobrevivência. Quanto mais forte esse instinto, maior é a chance de sobrevivência desse indivíduo e de perpetuação da sua carga genética na natureza. Mas… viemos nós com a nossa seleção artificial de acasalamentos, e bagunçamos tudo. Desconsideramos esse instinto na seleção de muitas raças, perpetuando indivíduos, linhagens e até raças sem o chamado “impulso de comida”. E agora estamos pagando o preço.

Para quem tem um desses, que só come o necessário para se manter vivo, a hora das refeições pode ser frustrante. Afinal, a gente escolhe a melhor comida para nosso filhote e quer que ele tenha enorme prazer em comer! Aí ele olha o prato com aquela cara de “tédio”, ou come 3 bocadas e vai embora …

 

Podemos ter 2 desdobramentos para essa situação:

  1. Seu peludo precisa de menos comida do que está sendo oferecida a ele para se sentir saciado e estar saudável.
    Tem cão que pula refeição de vez em quando e continua super feliz e em forma, e não há problema nenhum nisso. Caberá a você “desencanar” do assunto e diminuir a quantidade de comida dele. Quando ele não comer, retire a comida que sobrar e só ofereça de novo na próxima refeição. E lembre-se: não tem problema ele ser magro, desde que esteja saudável! É até melhor. Nós humanos que tendemos a achar bonito cachorro “cheinho”. Mas olhe o corpo dos animais na natureza, o normal é ser esbelto mesmo.
  2. Seu peludo percebeu que é importante para você que ele coma sempre, e tudo.
    Aí a coisa se complica, pois ele aprende que pode usar isso para conseguir o que quer, e vira um pequeno manipulador. É uma situação bem chata, pois desvirtua esse impulso importante (comer para sobreviver), e por isso geralmente vem acompanhada de outros problemas de comportamento.
    Esse quadro normalmente começa quando por algum motivo ele não come, e você “faz de tudo” para ele acabar o prato. Troca a comida, mistura franguinho, dá na boca, etc. Isso ensina a ele que você quer que ele coma, mesmo que ele esteja sem fome. Mais ainda, ensina que se ele quiser ganhar novidades ou atenção extra, não comer é uma boa estratégia. Percebeu a ironia da coisa? Sem querer, você o ensinou a não comer como ferramenta para conseguir atenção ou guloseimas. Dependendo do temperamento do peludo, ele pode levar essa queda de braço ao extremo e não comer nada que não seja escolhido por ele por dias.  É um exercício de controle, e não uma questão de apetite.

 

Então o que fazer? Como melhorar a vontade de comer de um cachorro “ruim de boca” ou mal acostumado?

 

A primeira coisa a fazer é tirar a pressão que nós humanos colocamos na comida e no ato de comer. Comer, ou não comer, é natural para a maioria dos animais, e deve ser encarado assim pelo cachorro, e por nós. Pular uma refeição de vez em quando não tem problema nenhum. Outra coisa importante de saber é que cachorros gostam de rotina, a repetição dá a eles segurança, e podemos usar isso a nosso favor. O terceiro fator é serem animais sociais, que dão valor à interação e aos laços sociais.

 

Com isso em mente, podemos organizar alguns passos:

  • Defina dois horários para as refeições (3 se for filhote até 6 meses).
  • Não demonstre muita atenção na preparação da comida, nem dê atenção excessiva a ele hora da refeição. Aja com naturalidade.
  • Ensine a ele o comando “senta”. Depois acostume-o a esperar sentado que o prato seja colocado no chão/no suporte, etc, e ele autorizado a comer. Isso deve ser treinado em outros momentos, usando petiscos ou brinquedos, para não causar stress na hora da comida. Tem que ser uma coisa natural e fácil.
  • Se ele não comer tudo na hora, retire naturalmente o que sobrar, e só ofereça comida de novo na próxima refeição. No início, você pode instituir uma refeição intermediária caso ele não coma nada, para ele não ficar muitas horas sem comer. Mas a rotina dessa refeição extra deve ser a mesma das principais.
  • Não fale com ele, não mexa na comida nem misture coisas caso ele não coma. Aja naturalmente, tire o prato e vá fazer outra coisa. Nada de discursos ou reclamações! E nada de dar atenção se ele vier fazer gracinhas nessa hora. Carinhos e brincadeiras não cabem nesse momento.
  • Diminua os petiscos e extras no período de reeducação, é importante ele estar com fome na hora de comer.
  • Quando ele comer direitinho, aí sim pode ganhar carinhos, atenção e até um premiozinho “de sobremesa”.

 

Algumas dicas para o processo:

* As refeições podem ser junto com as da família, ou logo depois, num lugar específico para ele. E nunca dê nada da mesa para ele, isso atrapalha todo o processo.

* Se por acaso ele pedir a comida antes do horário, não dê! Espere até a hora que você determinou para oferecer a comida a ele. Isso não é maldade. É importante ele aprender que comida é um recurso valioso e que não está à disposição dele a qualquer momento.

* Quando for ensinar o “senta”, procure fazê-lo de forma divertida e longe das refeições. Use petiscos saudáveis ou brinquedos como prêmio. Cuidado para não encher a barriga dele de petiscos! Dê preferência aos brinquedos se ele responder bem. Com o tempo, deixe-o cada vez mais tempo (máximo 1 min) sentado até premiar e liberar. Paciência e auto controle são importantes para os dois! Introduza a rotina de reeducação alimentar só quando esse comando estiver bom o suficiente para você colocar o petisco no chão sem presa e ele esperar a autorização tranquilamente. Nunca deixe-o “roubar” e pegar o petisco antes de autorizado.

* Tenha paciência e perseverança. Novos comportamentos demoram 3 semanas para serem aprendidos e até 16 semanas para serem internalizados pelos cães. Não desista!

 

Bom pessoal, essas são dicas bem básicas que esperamos que ajudem!

Se seu peludo tiver questões mais sérias, relacionadas ou não à comida, o melhor é chamar um bom treinador para fazer um programa personalizado de modificação comportamental para ele.

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